Investigação pelo Ministério Público acerca do uso de algemas em presos à luz do protocolo de Istambul da ONU e da resolução CNMP nº 221/2020
Palavras-chave:
Sistema Prisional, Segurança Pública, Ministério PúblicoResumo
O presente artigo traz à baila o tema concernente às novas funções do membro do Ministério Público, por ocasião da audiência de custódia de que trata a Lei nº 13.964/2019, funções essas detalhadas pela Resolução CNMP nº 221/2020, de investigação de casos de tortura ou tratamento desumano ou degradante, particularmente para atender aos termos do Protocolo de Istambul da ONU. Especificamente, busca-se salientar os indícios que devem ser procurados e os cuidados que os membros do MP devem ter em casos concretos em que algemas tenham sido utilizadas, uma vez que no Brasil atual a aposição de algemas por parte do Estado nas pessoas presas, seja na ocasião mesma da prisão, seja para o transporte e condução do preso, tem natureza excepcional e deve atender a pressupostos legais específicos, assim como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Busca-se demonstrar que se opõem atualmente no mundo visões antagônicas em termos de política de segurança pública, no que respeita à nocividade do uso de algemas como recurso a ser utilizado pela autoridade policial, podendo-se, entretanto, identificar uma tendência internacional por uma restrição cada vez maior do uso de algemas, buscando-se uma humanização maior do processo penal, mercê inclusive do desenvolvimento de pesquisas médicas mais completas que comprovam o quão delicado e suscetível a lesões é a região dos pulsos e suas adjacências. Isso comprova que o uso das algemas como instrumento facilitador para a tortura, física ou psicológica, assim como o uso incorreto de algemas, pode constituir verdadeiro ato de tortura e tratamento desumano. Além disso, a exposição indiscriminada da imagem da pessoa presa em algemas, sobretudo quando se tratar de preso provisório, pode constituir tratamento degradante, o que também pode ser identificado quando a aposição de algemas decorrer basicamente de preconceito social e racial.
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